“Neco Cismado e a Sarna Braba.”

Era uma vez, lá no fundo das coxilhas, num galpão de chão batido e teto de sapé, onde o vento soprava livre e o mate corria solto, morava um vivente chamado Neco Cismado.

Pois então, seu Neco, homem de poucas falas e muitas certezas, cismou que precisava de uma vaca. Mas não era qualquer vaca, não! Tinha que ser uma que desse leite grosso, daqueles de formar nata dura na ponta do bigode.

Saiu cedo, encilhou o pingo e foi proseando com os conhecidos pelo caminho. Chegando na estância do seu Batista, viu uma vaca que era um colosso: branca, lustrosa, com os úberes cheios como cuia bem cevada.

— Essa é das boas, seu Batista? — perguntou, coçando o queixo.

O patrão da estância, velho esperto, arregalou um sorriso matreiro:

— Melhor leiteira da redondeza, Neco! Dá leite que até parece creme!

Seu Neco todo faceiro levou a vaca pra fazenda e já colocou no pasto pra se alimentar.

De tardezita tava o peão Gaudêncio, um vivente mais desastrado que cusco em dia de trovoada, junto com o Amancio e o Tonico, tentando apartar umas vacas pra levar pra mangueira. O sol já se despedia no horizonte quando o capataz mandou eles buscarem a novilhada na invernada e que trouxessem junto a vaca que Seu Neco comprou na fazenda de Seu Batista e que era a melhor leiteira da redondeza , que dá leite que até parece creme . O problema é que Gaudêncio, por algum motivo que só Deus , resolveu ir de a pé.

— Gaudêncio, tu tá louco? — perguntou o Amancio.
— Ah, gurizada, o meu gateado tá mancando, e não quero judiar do bicho.

O Tonico, que era mais liso que quiabo em banho-maria, deu aquele sorrisinho de quem já tava planejando alguma treta e disse:
— Tá bueno, então vamo indo. 

E lá foram eles. Quando chegaram na invernada, Gaudêncio se armou com uma taquara pra tentar tocar as vacas, mas a tal vaca  que Seu Neco comprou olhou pra ele com uma cara de poucos amigos. O bicho não gostava de estranhos e já tinha fama de ser mais arisca que político em dia de promessa.

O  Tonico, só de brincadeira, deu uma provocada na vaca pra ela sair em disparada. E o que aconteceu? Ela mirou bem no Gaudêncio e veio que nem uma flecha!

— Socorro, guriiiizadaaaa! — gritou o desgraçado, largando a taquara e saindo em desabalada carreira.

O problema é que Gaudêncio era ligeiro, mas não o suficiente pra escapar da vaca enfurecida. Tentou subir num arame farpado, mas a bota enroscou, e ele ficou dependurado ali, balançando que nem roupa no varal! A vaca, sem conseguir pegá-lo, ficou bufando e raspando o chão embaixo dele.

Amancio e Tonico, rindo que nem duas gralhas, tiveram que espantar a vaca antes que Gaudêncio se desfolhasse todo nos arames. Quando finalmente desceu, tava com a bombacha em frangalhos e um bicho-preguiça no rosto de tanto nervoso.

— Mas bah, gurizada! Se eu soubesse que ia voar que nem papagaio de ventania, tinha trazido um paraquedas! — disse ele, tentando ajeitar o chapéu todo torto.

Depois do fiasco, Gaudêncio voltou pra sede da fazenda mais amassado que palha de carretão. Seu Neco, que tava mateando na varanda, viu o peão chegar com a bombacha estraçalhada e a cara de quem tinha tomado susto de alma penada.

— Mas o que houve, criatura? — perguntou, entortando o chapéu na testa.

Tonico e Amancio, contaram o acontecido, detalhando a fuga desengonçada do Gaudêncio e a valentia da vaca.

Seu Neco, que não era bobo nem nada, ficou olhando pro campo onde a vaca pastava tranquila, como se nada tivesse acontecido. Cuspiu de lado, bateu o mate na bomba e decretou:

— Pois então, se a bicha é braba desse jeito, de hoje em diante vai se chamar Sarna Braba.

O nome pegou na hora. O próprio Gaudêncio, ainda se coçando de nervoso, concordou:

— Mas que nome bem dado, patrão! Essa praga é pior que sarna em cachorro magro, pega e não larga!

E assim ficou. A vaca virou lenda na estância, e Gaudêncio nunca mais foi buscar nada na invernada sem um cavalo bem encilhado.

E desde aquele dia, até hoje, quando tem uma roda de mate, alguém lembra desse causo e a risada é garantida!