“Neco Cismado e o Espinhela Caída.”
Série - Espera que já te CONTO !
Microconto Gauchesco

“Neco Cismado e o Espinhela Caída.”
Era uma vez, lá no fundo das coxilhas, num galpão de chão batido e teto de sapé, onde o vento soprava livre e o mate corria solto, vivia o famoso Anacleto, ou Cleto Fofoqueiro, como o chamavam. Esse vivente tinha um dom: sabia mais da vida alheia do que as próprias comadres da vila. Num dia de calmaria, enquanto mateava em frente ao fogo de chão, Cleto resolveu inventar moda e desafiar o compadre Neco Cismado. O Neco, coitado, era teimoso que só ele e tinha um medo maior que o campo aberto.
— Mas bah, Neco! Será que tu tem peito pra montar no Espinhela Caída, aquele touro que até as moscas respeitam? — disparou Cleto, com um olhar maroto e um sorriso de quem já previa o fiasco.
O Neco arregalou os olhos, mais branco que leite tirado na hora:
— Que barbaridade, Cleto! E se eu me esborrachar no chão? Esse bicho me achata que nem pão no garfo! — respondeu, limpando o suor da testa.
Cleto, com a língua mais afiada que faca de açougueiro, provocou de novo:
— Deixa de ser mole, tchê! Só subir e segurar firme. Se tu conseguir, te dou um saco de erva mate novinho!
Tentado pelo desafio e pela erva mate, Neco respirou fundo. Botou o chapéu, ajeitou a bombacha e foi se aproximando do tal touro. Espinhela Caída, que era bicho de pouca conversa, já tava bufando antes mesmo do Neco encostar.
Com as pernas tremendo que nem vara verde, o Neco subiu no lombo do touro. Foi o suficiente pra bicho disparar num reboliço! Deu um pulo pra cá, outro pra lá, rodopiou e jogou poeira pro alto. A gauchada ao redor já ria do espetáculo. Contra todas as expectativas, o Neco resistiu uns segundos no lombo, mas, quando Espinhela deu um pinote daqueles, o compadre foi parar direto numa pilha de esterco que tava no cantinho do galpão.
O silêncio durou meio segundo antes de a turma explodir em gargalhadas. Cleto, segurando a barriga de tanto rir, gritou:
— Neco, tchê! Tá cheiroso, hein? Pronto pra ir pro baile!
O Neco, ainda deitado no meio do estrume, levantou a cabeça, com a dignidade que restava, e respondeu:
— Bah, Cleto, mas uma coisa eu garanto: Espinhela Caída nunca mais vai esquecer de mim!
Daquele dia em diante, Neco aposentou qualquer pretensão de ser peão. Mas o apelido que ganhou ficou pra sempre: Neco Cheiroso. E até hoje, quando bate um cheiro diferente no ar, o povo das coxilhas comenta rindo:
— Eita! Deve ser o Neco que passou por aqui!
Autor
noisedigitalbr@gmail.com
Posts relacionados
“Neco Cismado e a Sarna Braba.”
Série – Espera que já te CONTO ! Microconto Gauchesco “Neco Cismado e a Sarna Braba.” Era uma vez, lá no fundo...
Leia tudo“Cachaça, Laço e Surpresa”
Série – Espera que já te CONTO ! Microconto Gauchesco “Cachaça, Laço e Surpresa” Era uma vez o Seu Nico, um gaúcho...
Leia tudo“O Mistério da Tapera do Seu Nico.”
Série – Espera que já te CONTO ! Microconto Gauchesco “O Mistério da Tapera do Seu Nico.” O Mistério da Tapera do...
Leia tudo“O Pampa e a Saudade!”
Série – Espera que já te CONTO ! “O Pampa e a Saudade!” Na janela que dava para uma ruela, a guria...
Leia tudo“ Entre a Faca e o Fogo”
Série – Espera que já te CONTO ! Microconto Gauchesco “ Entre a Faca e o Fogo” O sol já se escondia...
Leia tudo“Ao Redor do Fogo e da Lenha”
“Lembranças do Meu Pago” Quando chove lá no meu rincão, o mundo parece caber dentro da cozinha. É lá, à beira do...
Leia tudo